Você deve se lembrar nosso amigo Felipe Tofani.
Morando em Berlim desde o começo de 2012, ele já invadiu um antigo prédio soviético usado na Segunda Guerra Mundial e contou em detalhes pra gente o que tem lá dentro.
Mais recentemente, ele colocou em prática uma idéia que pode parecer meio maluca pra maioria das pessoas: sair de casa pra uma caminhada que só terminaria quando cruzasse a fronteira da Alemanha com a Polônia.
E acredite, ele fez isso mesmo! Todos os detalhes e fotos você confere no texto dele, aqui embaixo.
Boa leitura!
No meio de 2012 eu comecei a fazer algumas caminhadas por Berlin já que precisava fazer alguma coisa para conhecer um pouco mais da cidade que tinha resolvido adotar uns meses antes. O que eu fazia eram caminhadas aleatórias por regiões da cidade que eu não conhecia mas, acabei gostando de fazer aquilo e passei a ficar planejando novas caminhadas usando o Google Maps. Foi ai que surgiu a ideia de andar até a Polônia e a culpa foi de um zoom out que dei sem querer no mapa. Afinal, não é todo dia que eu posso falar para alguém que andei até outro país. Foi assim que eu percebi o quão perto a Polônia está de Berlin e foi ai que minha ideia de andar até lá começou a amadurecer.
Lembro de conversar com minha esposa sobre o assunto e com alguns amigos que gostam de hiking e caminhadas mas nada que saiu desses papos me ajudou ou me deu coragem para fazer isso. Ninguém cogitou a ideia de me acompanhar nessa caminhada e fiquei pensando se valeria a pena mesmo passar por isso tudo. Então, acabei deixando essa ideia de lado.
Há alguns meses atrás, essa ideia da caminhada até a Polônia surgiu novamente na minha cabeça e resolvi testar o quão possível isso poderia ser já que não é todo dia que ando os quase 100 quilômetros que separam Berlin da Polônia.
Comecei aos poucos pegando o trem e indo até uma das estações finais e voltando para casa a pé. Foi assim que resolvi treinar e foi assim que aprendi o quão despreparado eu estava para isso tudo. Na primeira caminhada, descobri o tédio que é andar sozinho por horas e acabei com inúmeras bolhas nos meus pés. A segunda vez foi um pouco melhor e fui sentido um início de confiança que começou a colocar a ideia na minha cabeça de que essa caminhada era realmente possível. Comecei esses treinos em julho e no final de agosto, fui de Teltow, uma vila ao sul de Berlin, até o Tiergarten em menos de 2 horas. Somando tudo, eu continuava numa média de um pouco menos de 10 quilômetros por hora e isso deixava mais fácil planejar tudo. Pensei por mais uns dias e coloquei na minha cabeça de que no dia 7 de setembro eu andaria até a Polônia. Pronto, estava resolvido.
Resolvi fazer a caminhada usando o sistema de GPS do meu iPhone como meu único mapa. Semanas antes eu tinha comprado uma bateria extra que manteria meu celular carregado por todo o fim de semana e assim não precisaria me preocupar com o mapa e com a câmera. Decidi que não ia usar nenhum tênis de corrida profissional e que faria a caminhada com um tênis normal que tinha e que a única aquisição que faria nesse quesito seria uma meia de hiking que ajudaria a manter meu pé seco, evitando assim possíveis bolhas. Fiz minha reserva numa pousada em Berkenbrück, uma cidade bem no meio do caminho, e tudo estava resolvido. Agora eu só precisava começar a andar.
Na noite anterior, coloquei tudo na minha mochila e peguei o trem até Erkner, uma pequena cidade a leste de Berlin que serviria como ponto de partida da viagem. Escolhi bem o dia já que esse acabou sendo o último fim de semana de sol por aqui e, pensando nisso mesmo, escolhi uma rota que fosse no meio de florestas e não perto de estradas já que odeio protetor solar e gostaria de evitar o uso dele em uma caminhada como essa. É pessoal, não espero que ninguém entenda.
O primeiro dia começou um pouco mais tarde do que eu esperava e eram quase nova horas da manhã quando segui de Erkner até Berkenbrück por uma trilha que eu defini via google maps. Comecei a trilha aprendendo que a rota que fiz era a antiga estrada do correio que seguia de Berlin em direção às cidades a leste. Não sei como posso descrever essa primeira parte do caminho mas posso dizer que foi ali que minha empolgação começou a diminuir. Durante algumas horas, andei totalmente sozinho no meio de uma floresta onde não dava pra ver nada além de árvores. Toda vez que eu escutava algum barulho estranho, eu tirava meu headphone e ficava torcendo para que fosse parte da música que tocava. Na maioria das vezes não era e eu ficava imaginando como eu conseguiria escapar do ataque de porcos selvagens no meio de uma floresta a 20 quilômetros da cidade mais perto.
Nas minhas caminhadas de treino, eu sempre andava em lugares asfaltados e, agora, eu estava andando no meio de uma floresta, numa trilha arenosa e coberta de uma grama densa. Foi ai que encontrei um dos meus primeiros erros e passei a chutar insetos e aranhas no chão. Comecei a andar com um galho que eu eu balançava na minha frente para remover as inúmeras teias de aranha que eu encontrava por ali. Mas, fora a irritação que isso me causava, não tive maiores problemas até agora no meu primeiro dia.
Até que uma das pontes que eu precisava atravessar para continuar meu caminho, provou ser inexistente. Sim, uma das pontes que deveria existir num rio perto de Braunsdorf não existia na verdade. O Google Maps mentiu para mim e eu não sabia o que fazer. Meu 3G não estava funcionando muito bem naquele momento e eu tive meu primeiro momento de “por que estou fazendo isso?” na caminhada.
Eu precisava pensar. Sentei no chão, tomei mais um gole de água e fiquei pensando o que eu deveria fazer. Tinha acabado de andar quase uma hora no meio de uma floresta sem ver ninguém e agora isso. Eu poderia seguir a oeste e ir pegar a ponte que deveria existir seguindo uma das rodovias que atravessei para chegar aqui. Só que isso aumentaria minha caminhada em vários quilômetros e não sei se conseguiria chegar em Berkebrück a tempo. Eu poderia andar em direção leste e tentar encontrar alguma ponte cruzando o Spree perto de Fürstenwalde. Ou eu poderia ligar para um táxi e sonhar com a ideia de que alguém poderia me resgatar por ali. Acabei decidindo voltar um pouco no caminho e dei a sorte de encontrar algumas mulheres andando a cavalo pela região. Cheguei perto delas com o meu alemão macarrônico e pedi ajuda para encontrar uma ponte. Acabou que era só seguir em frente onde encontrei com elas e eu chegaria nessa ponte facilmente. Andei, andei e andei e, depois de uns 20 minutos no meio do nada e sem sinal de 3G, acabei encontrando a ponte e meu sinal voltou. Agora, já estava no meio do caminho e parecia que eu ia conseguir chegar na Polônia.
Cheguei a Fürstenwalde me sentindo a melhor pessoa do mundo. Um pouco antes de chegar na cidade, encontrei com um grande grupo de velhinhos andando de bicicleta e a visão de ver esses senhores de idade andando por ai me deu uma empolgada. Eu já tinha andando mais de 25 quilômetros e estava feliz de estar a apenas 7 quilômetros do lugar onde eu iria descansar e comer um pouco.
Esses 7 quilômetros provaram ser os mais chatos de todo o primeiro dia. Agora eu estava andando na periferia de uma pequena cidade e o sol batia na minha cabeça, umas casinhas pequenas me cercavam e todos os carros pareciam olhar para mim com uma desconfiança fora do comum. Isso tudo só passou quando eu vi a placa de que estava chegando em Berkenbrück e minha empolgação voltou na hora.
Cheguei na pousada que ia passar a noite e, acredito que, eu era o único hóspede do local. O olhar da senhora da recepção quando escutou que eu tinha chegado ali a pé de Berlin é difícil de descrever mas vai ficar marcado para sempre na minha cabeça.
Chegando ao quarto, tirei meus tênis e vi que não tinha nenhuma bolha. Tomei toda água possível e dormi. Acordei um pouco antes das 21 horas. Nesse primeiro dia, andei 39 quilômetros em pouco menos de 6 horas e eu estava na metade da caminhada. Jantei um schinitzel caprichado, tentei passear um pouco pela pequena cidade mas lembrei que precisava salvar minhas pernas pro dia seguinte. Voltei pro quarto e dormi.
No dia seguinte eu precisava andar um pouco mais de 35 quilômetros e chegaria a Polônia. Acordei cedo, tomei um café da manhã caprichado e sai andando. Minha rota passaria por Briesen, Jacobsdorf, Pillgram, Rosengarten e Frankfurt an der Oder até que eu atravessaria uma ponte e chegaria a Slubice, que até 1945 fazia parte da Alemanha e hoje é tratada como bairro de Frankfurt an der Oder.
A caminhada começou bem seguindo uma estrada vicinal no meio de uma floresta e foi essa minha rota até Briesen quando essa estrada acabou. Ali eu tive alguns problemas com o Google Maps novamente quando ele apontava um caminho que eu não conseguia enxergar. Eu estava perto de uma estação de trem em Briesen e ao redor eu só via entulho e algumas fábricas e era ali que minha trilha deveria estar. Resolvi contar até 10 e sair procurando essa trilha. Depois de algumas tentativas frustradas, encontrei uma trilha calçada com pedaços de concreto que parecia ter sido feita para tanques há muito tempo. E, foi ali que continuei a caminhada.
Pela primeira vez eu estava andando numa trilha que parecia fazer parte de uma fazenda já que eu via campos a esquerda e plantações de mostarda e milho a direita. A distância, alguns desses geradores de energia eólica rodavam e o chão um pouco molhado mostrava pegadas de pessoas e animais que andaram por ali. Mais a frente, encontrei pela primeira vez pequenas placas coloridas. Aprendi depois que essas plaquinhas marcam o caminho de Santiago de Compostela e eu estava andando por ele.
Entre Jacobsdorf e Pilgram, andei por uma pista de bicicleta. De vez em quando eu cedia espaço para algum ciclista que andava por ali mas, eu continuei andando sozinho. Ao chegar em Pillgram, celebrei dentro da minha cabeça que tudo estava chegando ao fim e foi ai que encontrei a pior parte do caminho.
Quando eu criei minha rota de Erkner até Slubice no Google Maps, sempre evitava andar por estradas e rodovias. Não queria cogitar a ideia de que poderia dar algo errado no caminho e eu acabar sendo atropelado no interior da Alemanha. Tudo parecia muito bom e seguia meus planos até eu perceber que a estrada para Rosengarten não tinha acostamento, pista de bicicleta e eu teria que andar na estrada para chegar onde eu queria.
Acho que os minutos andando entre essas duas cidades foram os mais preocupantes de todo o roteiro. Foi a única vez que peguei uma subida mais íngreme e foi a única vez que eu senti que algo de errado poderia acontecer. Mas, nada deu errado e quando cheguei em Rosengarten eu relaxei ao perceber que já tinha andado mais de 25 quilômetros e que a Polônia estaria ali do lado.
Esses últimos quilômetros de caminhada foram tentadores já que eu vi alguns ônibus pelas ruas que me deixariam bem perto de onde eu precisava chegar mas, era só fechar os olhos e continuar andando. Já em Frankfurt an der Oder, encontrei uma lojinha que vendia sorvetes e sai andando mais feliz com um algo gelado na mão.
Andar por Frankfurt an der Oder, sabendo que eu estava perto de chegar na Polônia, é difícil de explicar. Eu andava mais rápido do que antes. E, toda vez que vinha uma placa avisando quão perto de Slubice eu estava, eu sentia uma vontade de gritar que eu estava chegando lá.
Quando eu vi a ponte que separa as duas cidades, posso dizer sem problemas que quase chorei. Tinha andando quase 70 quilômetros em dois dias e eu estava chegando na Polônia. Não sei direito descrever o que eu pensava quando vi no rio abaixo de mim a marcação da fronteira entre os dois países. Quando atravessei o local onde estava o posto de imigração e vi uma placa escrito em alemão: Bem Vindo a Polônia, eu tive a melhor sensação dos últimos anos. Uma mistura de alívio e cansaço que eu não descrever mesmo. Sentei num banco do lado polonês do rio Oder e fiquei olhando os prédios que estão na Alemanha.
Fiquei ali sentado sem saber o que fazer e acabei ligando para minha esposa para avisar de que tudo tinha dado certo. Não lembro direito o que falei com ela mas lembro dela me perguntando se a ligação que estava fazendo custaria mais caro agora que eu estava em outro pais. Foi ai que eu percebi que essa caminhada só fazia sentido para mim e que já estava na hora de voltar para casa.
Fiz um curto passeio por Slubice e fui procurar a estação de trem em Frankfurt an der Oder que me levaria de volta para casa. Foi ai que descobri que a caminhada que eu fiz em dois dias poderia ter sido feita em menos de uma hora de trem e por um pouco mais de 10 euros. Na próxima vez, eu venho de trem.
Dá para ver todas as fotos que tirei no meu flickr: Walking to Poland - a set on Flickr
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