Dependendo das circunstâncias, até as coisas mais banais e que fazem parte do nosso dia a dia podem ser consideradas diferentes ou fora do comum.
Um bom exemplo disso é fazer um passeio voltado para as cervejas em plena África do Sul, um dos paraísos mais procurados pelos amantes de vinho no planeta.
Depois de fazer o passeio pelas vinícolas - que foi incrivelmente divertido justamente pelo fato de eu não beber vinho e ver o pessoal enxugando todas! - eu entrei em contato com a galera da secretaria de turismo da Cidade do Cabo, que eu havia conhecido cerca de um mês antes num evento em São Paulo, e perguntei se havia alguma coisa parecida em relação às cervejas, a bebida que eu realmente gosto e tenho interesse em saber, entender - e beber! - cada vez mais.
Confesso que perguntei isso meio sem esperança de uma resposta positiva, mas pra minha surpresa, eles disseram que sim, existe um tour que mostra as diferentes faces da cerveja da África do Sul e que isso vem chamando a atenção dos turistas nos últimos tempos por causa do crescimento da cena de cervejas artesanais, as chamadas craft beers.
E como eles são legais demais, organizaram tudo pra que a gente fosse realizar esse passeio!
Num dia quente e de sol, lá fomos nós para o ponto de encontro, onde o motorista nos esperava. Obviamente que esse tour das cervejas ainda é irrelevante em termos de números, se comparado ao dos vinhos.
Pra te dar uma pequena ideia, você precisa reservar com bastante antecedência um passeio pelas vinícolas. Mesmo existindo diversas empresas que fazem esse serviço, todas elas estão sempre lotadas e com fila de espera.
Já pra esse da cerveja... bom, éramos apenas 6 (sim, SEIS!) bravos cervejeiros dispostos a conhecer um pouco da tradição sul-africana.
O rolê começa pela Newlands Brewery, que tem história pra contar desde 1820. Algumas décadas mais tarde, ela foi adquirida pela Castle, a maior cervejaria do país, e passou a produzir algumas mais populares cervejas da África do Sul, como a homônima Castle, Hansa e Black Label. São marcas bem comuns no cotidiano do pessoal de lá e confesso que a Castle foi a que mais me agradou durante minha estadia no país.
Durante todo o trajeto dentro da fábrica, uma guia nos acompanhou, contando como um pouco da história do lugar e de como funciona cada etapa do trabalhoso processo de se fazer cerveja.
Desde a seleção dos ingredientes - que não é exatamente tão criteriosa nessas marcas gigantescas -, passando pela produção e envasamento até chegar ao imenso galpão onde é feita a distribuição pros caminhões que vão entregar a cerveja aos pontos de venda.
Numa estrutura tão gigantesca quanto aquela, claro que muita coisa chama a atenção de quem não está acostumado a isso.
Uma dessas coisas não é muito legal. Você pode reparar que na maioria das fotos desse post, o chão está molhado. E aquilo não é água, infelizmente. É cerveja. Sabe aquela cerveja velha e amanhecida que sempre alguém derruba nas festas da sua casa, e aí no dia seguinte deixa um cheiro bem ruim? É mais ou menos isso que uma fábrica de cerveja cheira.
Mas uma coisa que me divertiu bastante foi assistir o automático processo de transformação das garradas usadas em novas, prontas para serem utilizadas novamente.
Lá na África do Sul o pessoal realmente leva a sério essa história da reciclagem, e por isso, os pontos de venda sempre retornam as garrafas usadas pra fábrica e assim todo mundo ganha.
Do alto de umas passarelas você vê várias esteiras com garrafas vazias de um lado e cheias do outro. Todo esse caminho é feito por máquinas, que identificam as garrafas quebradas - que são jogadas fora - e separam as boas pra voltar ao mercado, cheias daquelas delícias.
É meio hipnotizante ficar ali em cima ouvindo o barulhinho das garrafas batendo e assistindo tudo isso acontecer, mesmo com aquele cheiro da festa de ontem à noite.
Como é de praxe nessas visitas aos lugares dedicados a comida e bebida, o melhor sempre fica pro final: a degustação.
Se no passeio das vinícolas eu era um simples espectador, aqui dá pra dizer que virei o protagonista.
No final da tour na Newlands, eles serviram algumas das cervejas que eles produzem, incluindo algumas europeias que possuem a licença. E uma coisa legal é que tem um cara só pra ensinar os visitantes a tirar o próprio chope. Adorei essa parte e acho que todo ser humano deveria a aprender essa tarefa tão importante e engrandecedora (acabei deixando minha câmera no guarda-volumes essa hora, por isso não tenho fotos pra postar aqui, infelizmente).
A segunda etapa do tour cervejeiro era um imenso contraponto à gigante Newlands.
Fomos direto para Khayelitsha, a maior township de toda a África do Sul. Ao contrário do que muita gente traduz, as townships não são favelas. As townships são espécies de bairros, criadas durante o apartheid e foram os grandes focos de resistência da população negra. A mais famosa delas é o Soweto - que eu também visitei nessa viagem -, mas Khayelitsha é maior.
Uma das inúmeras proibições que eles enfrentavam naquela época foi o álcool. E desde que o mundo é o mundo, em todo lugar que o álcool é proibido, a rapaziada dá o seu jeitinho.
Lá na África do Sul eles desenvolveram uma bebida fermentada e que estranhamente chamam de cerveja. Porque a única semelhança entre essas duas bebidas é o fato de passarem pela fermentação. Apesar de ser bem ruim, é uma bebida muito importante e que não os deixa esquecer os momentos difíceis que boa parte da população do país viveu. Até hoje é a bebida que o pessoal das townships usa em grandes festas e leva até uma semana pra ficar pronta.
Eu já tinha tomado aquilo duas outras vezes na viagem - no Soweto e na Suazilândia - e não fiquei muito feliz ao ver que teria que tomar a terceira - até por respeito, já que um tiozinho nos recebeu em sua casa só pra isso.
Aliás, esse tiozinho foi o ponto alto dessa parada. Ele é trompetista numa banda de jazz e quando nos ouviu falando "Brasil", sacou o trompete e meteu uma Garota de Ipanema na mesma hora. Foi bem divertido e ajudou a encarar aquela bebida ruim.
Pra encerrar o tour, a gente foi até a Devil's Peak, uma das mais conceituadas cervejarias artesanais da África do Sul.
O nome é uma referência a um dos pontos turísticos mais famosos da Cidade do Cabo e eles têm um bar muito legal perto de uma das entradas da cidade.
Como na maioria das craft breweries, eles oferecem uma tábua de degustação, com alguns dos tipos fabricados lá. Todas que eu provei tavam incríveis, de verdade.
Apesar de ter provado várias cervejas artesanais lá na Cidade do Cabo, a Devil's Peak foi de fato a única que eu visitei.
Todas as outras eu provei no Beerhouse, um bar maravilhoso especializado em cervejas. É talvez o único lugar que se salva na tosca e superestimada Long Street.
Se estiver na Cidade do Cabo, corre pra lá. E agora, abre uma cerveja, porque esse post deu vontade, né? Saúde! :D
O Viagem Criativa viajou à África do Sul a convite do South African Tourism e com o apoio do Travel Concept Solutions, South African Airways e Detecta Hotel
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