Quem tirou a foto aí de cima foi a Cris!
Criar coragem para enfrentar algo que você tem medo é sempre algo bastante desafiador. Viajar de avião, matar uma barata, dirigir um carro... as pessoas têm os mais diversos tipos de medo e muitas vezes eles não fazem sentido algum pra quem está acostumando a enfrentar essas coisas com alguma frequência.
Mas não são apenas essas coisas que nos dão medo que podem ser consideradas como um desafio. Sabe aquilo que você nunca quis fazer por pura falta de interesse? Aquela coisa que você sempre achou muito chata? Assistir a um show de música sertaneja, por exemplo, caso você odeie o estilo. Assistir uma comédia romântica da Meg Ryan se você não ficou pra titia pode ser bastante complicado. Encarar esse tipo de coisa também pode despertar um sentimento de vitória em você, acredite.
Foi mais ou menos o que aconteceu comigo durante a segunda semana da minha viagem pela África. Logo depois de sair da Suazilândia e voltar propriamente para a África do Sul, o fantástico roteiro da Pangea Trails nos levou até a região do Amphiteatre, pertinho da fronteira com outro país, Lesoto.
É uma parte da África do Sul bastante conhecida por causa de suas cadeias montanhosas, sendo a maior delas o imponente Massivo Amphiteatre, que faz parte da gigantesca cadeia de montanhas de Drakensberg, cuja extensão passa dos mil quilômetros país adentro.
Ou seja, o grande atrativo dali é fazer uma escalada que é considerado um dos mais bonitos do planeta, até um dos picos do Massivo, de 3.200 metros de altitude.
E é exatamente aí que entra o desafio pra mim. Eu sou um cara bastante urbano e nunca me interessei muito por trilhas, aventuras no meio do mato ou esse tipo de escalada.
Aliás, meu recorde de escalada são as escadas do meu prédio quando o elevador não está funcionado. Não é algo que me deixa com medo, mas simplesmente nunca me interessei por esse tipo de atividade. Apesar disso, topei o desafio com a maior boa vontade, já que eu prefiro ir até lá e comprovar que é ruim - ou mudar de opinião - do que passar a vida ouvindo os outros dizerem isso.
O lugar que o Alex escolheu pra hospedagem ali é o fantástico Amphiteatre Backpackers, uma das hospedagens mais incríveis que eu já vi. Eles têm diversos tipos de acomodação, desde os quartos normais de um hostel, até casas e chalés, além de um espaço para camping. Tudo isso numa fazenda gigantesca. Pra você ter uma ideia do tamanho da propriedade, no ano novo os caras realizam um festival lá dentro pra cinco mil pessoas.
E tudo isso fica ainda mais legal porque o lugar é rodeado pelas montanhas de Drakensberg, então assim que chegamos lá já deu pra ter uma boa noção do desafio que teríamos no dia seguinte.
Mas pra deixar o nosso grupo tranquilo e relaxado, o Alex resolveu mostrar como é o típico churrasco sul-africano, que eles chamam de Braai. E posso dizer que não fica devendo nada pro nosso!
No dia seguinte, acordamos bem cedo pra pegar a estrada, já que a base da escalada fica a quase duas horas de distância do hostel.
Aproveitamos também pra conhecer o Adrian, o guia da escalada, que reuniu o nosso grupo para passar as primeiras informações de segurança e sobre o dia que passaríamos na montanha.
De cara deu pra perceber que não seria nada fácil. Nós iríamos de carro até a altitude de 2.500 metros e subiríamos os 700 restantes. Parece pouco, mas como o caminho é ao redor da montanha, isso dá cerca de 6 km montanha pra andar. E com uma rápida matemática, dá pra perceber que no total nós iríamos andar de 13 a 14 quilômetros, entre ida e volta.
Não é uma distância que assusta, já que estou acostumado a andar bastante na cidade. Mas montanha acima, com altitude - lembre-se do ar rarefeito - e sem um tênis apropriado, eu já imaginava que seria bastante difícil.
Pra piorar, o tempo lá embaixo estava horrível, com muito frio, vento e umidade. Já acostumados com essas condições climáticas, o pessoal do hostel me emprestou uma jaqueta azul - vocês vão vê-la bastante nas fotos desse post - que eu particularmente adorei. Depois da escalada, fiz um esforço considerável pra tentar comprar a jaqueta deles, mas não tive sucesso e até hoje tenho saudades dela.
Enfim, depois dessas duas horas numa van, finalmente chegamos até a base da escalada, um estacionamento onde tudo começa.
Apesar do frio e da umidade, o cenário ali estava meio assustador. Tinha tanta neblina e ventava tanto que parecia que estávamos dentro do game Silent Hill. Não dava pra ver mais do que 20 ou 30 metros na frente, o que me parece pouquíssimo quando se tem uma escalada gigante pela frente.
Foto emprestada do Guilherme!
E a primeira hora da caminhada foi inteiramente cercada por essa neblina bizarra.
A subida já começa bem forte e por conta do clima, tudo fica mais cansativo. O Adrian recomendou que levássemos pelo menos dois litros de água cada um e a cada 30 ou 40 minutos de caminhada, parávamos pra um pequeno descanso e pra hidratação de todos.
Foto emprestada do Guilherme!
Até esse momento eu tava achando a escalada divertido, mas sem muitos atrativos.
Não dava pra ver nada além dos meus amigos, não teve nenhuma emoção forte ou dificuldade que desse algum frio na barriga.
Mas felizmente, tudo começou a mudar com 20 minutos depois da segunda parada. De repente as nuvens pareciam se dissipar e o tempo abrir.
Só que na verdade não era bem isso que estava acontecendo ali. Era muito mais legal: estávamos atravessando as nuvens pra ficar acima do nível delas!
Tô acostumado a ter essa visão acima das nuvens de dentro do avião, mas ali, caminhando no meio delas e as ultrapassando não é algo que acontece todo dia - pelo menos pra mim! :D
Esse foi o primeiro momento em que realmente aproveitei e achei tudo aquilo MUITO legal. Sensação nova pra mim e talvez por isso, ainda mais excitante, já que a maioria do grupo estava habituada a atividades como aquela.
Essa foto é da Cris!
Essa foto é da Cris!
Essa foto é da Cris!
Foto gentilmente cedida pela Roberta!
Foto gentilmente cedida pela Roberta!
Não sei se vocês repararam, mas esse post tem algo bastante diferente dos outros: a maioria das fotos não são minhas - mas estão com os devidos créditos aos meus amigos!
E o motivo disso é bastante simples. Como a minha câmera é pesada e dá uma certo trabalho pra ficar tirando e colocando de volta na mochila, eu achei mais interessante focar minhas energias em não morrer, e consequentemente, chegar vivo até o topo da montanha, onde me foi prometido o visual mais bonito.
Obviamente que agora, sentado na minha mesa, me arrependo de não ter eu mesmo tirado essas fotos, mas lá no fundo eu sei que não me preocupar com isso foi a melhor escolha naquela hora.
Voltando à escalada, logo depois que passamos o nível das nuvens, a coisa começou a complicar pro meu lado. Não sou exatamente um cara fitness - ok, sou o famoso gordinho - e a junção disso com o meu tênis que não tinha a menor condição de ser usado numa escalada, já estava cobrando o seu preço.
Meu pé começou a doer por causa do terreno acidentado, minhas costas começaram a doer por causa do peso da mochila, eu comecei a ficar cansado pelo simples fato de estar subindo uma montanha sem ter o devido ar pra respirar e pra coroar tudo isso, a temperatura começou a subir, já que naquela altura o sol já estava brilhando loucamente em cima da gente.
Ainda assim eu tinha as coisas sob controle.
Até ali.
De repente o Adrian pediu que a gente parasse de andar pela trilha, pois o caminho mudaria de direção. Não entendi bem o que ele quis dizer com mudar de direção, já que só havia uma trilha no chão e o resto era um imenso paredão.
E a resposta dele não teve segredo algum: teríamos que escalar o paredão, direto na pedra. Era a última etapa antes de chegarmos ao topo da montanha.
Uma subida desgraçada, de mais ou menos 300 metros e que deveria ser feita pedra após pedra, sem nenhuma parte plana. Dá uma olhada no tamanho da encrenca:
Essa foto é da Cris!
Eu não podia acreditar naquilo, pensei em voltar, em desistir, em reclamar, em fazer qualquer coisa, menos subir aquilo.
Mas qual seria o ponto de desistir no meio do caminho? De uns tempos pra cá, sempre que preciso fazer alguma coisa ruim ou que não quero, eu penso algo como "o tempo vai passar de qualquer jeito, então que passe com esse problema resolvido".
E tem dado certo. Resolvi encarar aquela bomba como todos os outros.
Essa foto é da Cris!
Nessa foto aí de cima dá pra ver algo que vocês já devem imaginar: fiquei lá pro final da fila do nosso grupo.
Enquanto o pessoal já acostumado à escalada levou de 15 a 20 minutos pra atingir o topo, eu me esforcei incrivelmente pra conseguir chegar lá em cima com mais ou menos uma hora nesse paredão.
Cada passo era um sofrimento danado, e parecia que eu ficava 10 quilos mais pesado a toda vez que vencia uma pedra nova.
Parei várias vezes, acabei com a minha água, pedi ajuda ao guia e aos meus amigos.
Mas depois de tudo isso, posso dizer: eu cheguei lá. Venci minha primeira montanha e atingi os 3.200 metros de altitude do Sentinel Peak.
Difícil descrever o quão legal foi essa hora. Apesar do cansaço - eu tava ofegante demais - deu pra ver a imponência de algo tão grande ali na minha frente.
Sem falar que estar acima do nível das nuvens e ter uma visão macro do mundo a partir dali, deu um aspecto ainda mais especial pro momento.
Ah, e chegando lá em cima eu consegui tirar forças pra pegar a minha câmera e fazer uns cliques :D
O topo da montanha reserva uma outra atração bem famosa no mundo, a segunda maior cachoeira do planeta!
A cachoeira de Tugela tem 948 metros de queda livre e só fica atrás da Angel, na Venezuela, que tem 979.
Então muita gente faz esse baita esforço que fizemos pra chegar lá em cima e ficar algumas horas admirando essa queda d'água tão impressionante.
Mas como não dá pra ter tudo nessa vida, estivemos lá - outubro - no final da época da seca, então simplesmente não havia cachoeira pra gente ver. Apenas algumas poças d'água no chão lembrando que algumas semanas mais tarde a água voltaria pra lá.
Foto gentilmente cedida pela Roberta!
Ok, topo atingido, fôlego recuperado, fotos tiradas.
Tudo dentro do previsto e agora era a hora de voltar pra base da montanha. Obviamente isso significava mais 6 quilômetros e aproximadamente 3 horas de caminhada pela frente.
Nessa hora me lembrei daquele paredão que subimos e novamente desanimei com essa possibilidade.
Apesar de ser uma descida, não teria nenhuma moleza. Pelo contrário. O solo continuaria acidentado, os pés já estavam machucados e descer é sempre mais problemático pros joelhos, já que é preciso forçar ainda mais pra não sair rolando lá pra baixo.
Mas aí o Adrian avisou pra gente: nada de paredão! Faríamos um caminho diferente e ao invés dele, desceríamos do topo para a trilha, usando uma escada.
Um alívio e tanto, já que qualquer criança consegue descer uma escada.
Mas como eu estava ressabiado, não acreditei muito bem na facilidade. Uma escada no alto da montanha não parecia ser assim tão simples.
Não preciso dizer que acertei na previsão, certo? Mas ainda assim, nada poderia me preparar pra essa parte da escalada.
Pra descer do topo, demos de cara com não uma, mas duas escadas de ferro acorrentadas na pedra, com inclinação de 90 graus. Elas balançam sem parar e não tinham absolutamente nenhuma proteção. Uma escorregada e eu viraria artigo na Wikipedia.
E como falei, eram duas escadas. Terminada a primeira, de 15 metros, era preciso encarar uma segunda ainda maior, de 25 metros.
Sério, assustador é um adjetivo bem fraco pra descrever aquilo.
Essa foto é da Cris!
Essa foto é da Cris!
Essa foto é da Cris!
Terminada a escada, terminado o terror, veio a repetição da descida.
Cansaço, dores pelo corpo, dificuldade pra respirar...mas tava tudo bem.
Eu venci a montanha que me desafiou e estava pronto pra fazer um brinde à ela! Saúde! :D
O Viagem Criativa viajou à África do Sul a convite do South African Tourism e com o apoio do Travel Concept Solutions, South African Airways e Detecta Hotel
16 Responses