Em qualquer guia, reportagem ou publicação que você ler sobre a Finlândia, você verá a paixão nacional dos caras estampada de frente pros seus olhos: a sauna.
É simplesmente impossível pra um brasileiro não estranhar todo esse fascínio por algo que significa tão pouco culturalmente aqui pra gente. E não só pra gente, já que nos outros países nórdicos a sauna não é um hábito tão forte como lá.
Os números beiram a maluquice: segundo a BBC, a Finlândia tem 5,3 milhões de habitantes e inacreditáveis 3,3 milhões de saunas. Essa conta maluca de mais de meia sauna por habitante é facilmente explicável depois de alguns dias no país, quando você percebe que praticamente todas as casas, hotéis, albergues e pousadas possuem uma sauna. Sem falar nas saunas públicas e clubes dedicados à prática.
Essa prática, aliás, além de quase religiosa, é bem diferente da sauna que a gente tem aqui no Brasil. Se pros lados de cá, meia hora dentro daquele calor, seguido de uma chuveirada gelada já é suficiente pra nos deixar relaxados, o lance dos finlandeses é bem mais intenso.
É bem comum ver grupos de amigos e familiares curtindo uma sessão de sauna por 3, 4 ou 5 horas. E nesse meio tempo, assando linguiças no mesmo fogo que os esquenta (!!!) enquanto tomam uma cerveja pra reidratar e repor os líquidos perdidos. O lado social da sauna é muito forte e chega a ser ofensivo pra quem vem de fora recusar umas horinhas de calor junto com eles.
Pra nós que viemos de fora, é difícil não ficar curioso em relação à uma coisa: essa galera toda fica pelada na sauna? Se você tem essa dúvida, fique tranquilo. É sempre a primeira pergunta que eles respondem, já que absolutamente todo o planeta tem curiosidade sobre isso. E respondendo: depende! Existem grupos de amigos mais próximos e familiares que não veem problemas em tirar toda a roupa na frente dos outros. Em alguns clubes mais tradicionais, isso só acontece em grupos separados. Homens de um lado e mulheres de outros. A regra mais comum é a de que fica pelado quem quiser. A imensa maioria dos turistas curte a sua sauna com roupas de banho e ninguém vê problema nisso.
Agora, se tudo isso já parece um pouco maluco, imagine que nesses meses frios de inverno existe uma outra prática comum entre os finlandeses e que na maioria das vezes está associada a sauna. É o mergulho em buracos de gelo! Não tem nem muito o que explicar, já que consiste exatamente nisso: pular em um buraco de gelo no meio de um lago ou do mar.
Durante os meus dias na Finlândia tive a oportunidade ver (e participar) duas vezes dessa combinação maluca. A primeira delas, ainda em Porvoo, foi de certa forma traumática pra mim.
Isso porque simplesmente não tive coragem de pular nesse buraco de gelo que você vê na foto acima, com uma jovem finlandesa nadando como se fosse o verão brasileiro.
O processo chega a parecer doentio. As pessoas saem do trabalho, por volta das 17h e rumam pra esse lago, onde há apenas um estacionamento e vestiário. Nesse vestiário, elas colocam as roupas de banho e saem andando de chinelo na maior tranquilidade até entrarem ali.
Eu fui convidado (e muito incentivado!) por senhoras de 70 anos a participar do ritual, mas a temperatura nesse dia estava -18ºC! Assumo que não tive coragem! Apesar disso, as meninas que estavam comigo durante a Nordic Bloggers' Experience, foram lá e mergulharam com toda a bravura que me faltou.
E algumas horas depois, já de volta ao hotel, fiquei muito arrependido. Afinal, que outra oportunidade eu teria de experimentar algo tão típico e tão diferente do que estou acostumado? Acabei indo dormir mal comigo mesmo e me lamentando minha falta de coragem.
Mas eis que no dia seguinte o sol nasceu e trouxe uma grande novidade! Naquela tarde, teríamos que voltar pra Helsinki, onde começaria a Nordic Travel Fair (o principal motivo da viagem dos 40 blogueiros à Finlândia). E após as palestras e seminários da feira, fomos convidados a participar da sessão de sauna mais autêntica do país, sediada na Sociedade Finlandesa de Sauna. E a melhor parte, pelo menos pra mim: essa sauna fica situada a beira-mar e teríamos a chance de mergulhar em um buraco de gelo não em um lago, como em Porvoo, mas no meio do oceano! Já havia decidido de antemão que iria sem pensar duas vezes, mas obviamente as coisas não são tão simples assim.
Antes de seguir para essa noite mágica, ouvimos uma palestra bem legal do presidente da Sociedade, explicando porque a sauna é tão importante culturalmente para os finlandeses, como ela funciona, quais os tipos existem e como éramos todos estrangeiros, a questão de ficar ou não pelado.
E, por volta das 18h, rumamos para a ilha de Lauttassari, onde estava localizada a Sauna-Seura. Depois de um coquetel de apresentação das instalações do local, todos colocaram seus trajes e partiram para a sauna propriamente dita.
Lá existe algo bem legal, uma espécie de "menu-degustação" das saunas. Você começa em temperaturas não tão altas, e vai trocando de sala até atingir o auge do calor, com mais de 100 graus, pra depois começar a baixar novamente, até chegar na temperatura inicial. Ou seja, é de fato algo muito bem elaborado e que faz a cabeça de toda uma população.
Acontece que eu estava ansioso mesmo é pra pular no buraco de gelo e pagar a minha dívida comigo mesmo. E isso acontece logo que você sai da terceira sala, a mais quente de todas.
E o negócio acontece sem muita firula. Saindo dali, com seu corpo a mais de 100 graus, abre-se uma porta e pronto, você está ao ar livre. Existe um pier, de 20 ou 30 metros que termina diretamente dentro do mar. Inclusive não dá pra ver o final da escada que nos leva até lá, já que ela também entra na água.
Mas em resumo, eu não pensei muito: meti o pé nos degraus e fui embora mar adentro. E foi lá que eu senti uma das piores sensações do ser humano. É um frio que arrebenta de verdade, dói e te faz querer desparecer da face da Terra. Só que não contente, eu saí da água e pulei pela segunda vez, pra apagar de vez a minha falta de coragem no dia anterior.
Ao voltar pelo pier, pra dentro da sauna, era possível sentir o gelo se formanto nas minhas canelas. Algo de fato desesperador.
No vídeo abaixo, gravado pela minha amiga Nadine, vocês conseguem ter uma idéia de como foi essa noite (debaixo de uma nevasca considerável, inclusive):
No fim da noite, outro coquetel, mais algumas cervejas e todos com um sorriso no rosto, sabendo que fizeram parte de um evento não apenas físico, mas cultural de um país que estava ali nos recebendo tão bem. Valeu a pena demais!
O Viagem Criativa viajou à Finlândia a convite da Nordic Bloggers's Experience, e com apoio do Visit Finland, Visit Helsinki e Finnair.
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